Introdução ao Estudo do Contraponto
Conceitos Preliminares
O método de Fux: Gradus ad Parnassum
Buscando por uma solução mais ampla e profunda em relação ao problema do estudo da música, em 1725, J. J. Fux, então com 65 anos, publica, em Latim, o seu método de ensino-aprendizagem musical: Gradus ad Parnassum. Ele apresenta e justifica assim o seu "método":
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... comecei, vários anos atrás, a desenvolver um método similar ao pelo qual as crianças aprendem primeiro letras, depois sílabas, depois combinação de sílabas e finalmente, como ler e escrever. E isso não foi em vão. Na utilização desse método, pude observar que os alunos fizeram um progresso assombroso em curto espaço de tempo.
Então, pensei que prestaria um bom serviço à arte se o publicasse para o beneficio dos jovens estudantes, e repartisse com o mundo musical a experiência de quase trinta anos, durante os quais servi três imperadores (pelo que devo, com toda modéstia, meu orgulhar). Além disso, como Cícero cita de Platão: "Nós não vivemos apenas para nós mesmos; nossas vidas pertencem também ao povo, aos nossos pais e a nossos amigos."
Fux prossegue:
Para o bem da melhor compreensão e maior clareza, eu me servi da forma de diálogo.
a quem devo tudo que sei desta arte, e cuja memória não cesso de estimar com um sentimento de profunda reverência.
Por Aloysius, o mestre, refiro me à celebre Luz da Música de Praeneste (ou como dizem outros, Praeeste [Palestrina]),![]()
Por Josephus tenho em mente o aluno que deseja aprender aarte do contraponto.
No mais, não se ofenda com a simplicidade de meu estilo, pois não clamo por outro latim que a do viajante retornando a uma terra a qual uma vez chamou de lar. E eu preferiria antes ser inteligível a parecer eloquente. Adeus... aproveita e sê Indulgente. Se, leitor benevolente, achares desvios da maneira adequada de se apresentar algo, confio que haverás de aceitá-los com a mente tranquila.
O início do diálogo entre o mestre (Aloysius) e o discípulo (Josephus):
O final do diálogo da introdução de Fux que também se afina com esta nossa introdução:
Josephus – Antes de iniciar nossos exercícios, venerável mestre, poderia ainda vos perguntar o que se entende pelo termo contraponto? Tenho ouvido essa palavra usada não só por músicos, mas também por leigos.
Aloysius – Tua questão é pertinente, esse é exatamente o primeiro tópico de nossos estudos e trabalhos. É necessário que saibas que em tempos de outrora, ao invés de nossas notas modernas, os pontos [punctus]eram utilizados. Assim se costumava chamar uma composição, na qual pontos foram colocados contra pontos - contrapunctus.
Esta maneira é ainda seguida hoje, mesmo que a forma das notas tenha mudado. Pelo termo contraponto, portanto, entende-se uma composição escrita estritamente de acordo com certas regras técnicas. O estudo do contraponto, como gênero, compreende diversas espécies as quais vamos considerar uma por vez...

O Gradus ad Parnassum
Alfred Mann (o tradutor do Gradus ad Parnassum de Fux para o Inglês), apresenta em seu prefácio do livro referências históricas sobre a importância do método utilizado por Fux.
O Estudo do Contraponto do Gradus ad Parnassum de J. J. Fux

Relevância do Estudo
Seguindo essa vertente introdutória e conceitual do Gradus ad Parnassum de Fux, a lista abaixo apresenta links para alguns textos de autores respeitados e considerados como fundamentais na área do estudo do Contraponto. Procure compreender, organizar e desfrutar criticamente os pontos que os autores discutem no decorrer do texto. Todos eles procuram enfatizar o estudo do contraponto como fundamental no processo de formação musical.
Ponto!
Como pode ser observado, cada um dos textos oferece pontos de vista sobre o desenvolvimento e a importância do estudo do Contraponto e, portanto, refletem parcialmente o conceito, o significado e o método de abordagem.
Todos os textos afirmam direta ou indiretamente o estudo do contraponto como essencial na formação do músico. Alguns dos motivos apresentados relacionam-se com:
- a qualidade da percepção musical e a relação com a construção da audição interior;
- o complexo da escrita musical;
- a compreensão da linearidade temporal através da identificação de vozes (fontes sonoras) e melodias;
- a compreensão da estrutura do discurso musical;
- a compreensão entre a interação de melodias (e não somente de acordes) na formação do discurso harmônico;
Contraponto!
Arnold Schoenberg
o autor do livro Exercícios Preliminares em Contraponto (um dos principais livros do curso), também adota o método por espécies de J. J. Fux, enfatizando o seu propósito como um método de treinamento e não somente como uma teoria.
Ler o Texto CompletoAlgumas afirmações de Schoenberg são muito elucidativas:
[...] a teoria do contraponto será tratada, aqui, de forma totalmente diferente. Não será considerada, de modo algum, uma teoria, mas um método de treinamento, cujo propósito principal será ensinar o aluno de forma a torná-lo apto a utilizar posteriormente seu conhecimento quando compuser [reger, tocar ou cantar].
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Assim, será aqui visado não apenas o desenvolvimento da habilidade do aluno na condução de vozes, mas também a sua introdução aos princípios propriamente artísticos e composicionais [da música], de modo que ele reconheça até que ponto esses princípios são duradouros na arte [musical].
Ricardo Rizek
O professor Ricardo Rizek costumava dizer em relação ao estudo do contraponto que o entendimento e a consistência do resultado do movimento na elaboração das melodias em conjunto se mostra enquanto se oculta e/ou se oculta enquanto se mostra.
Ele completava com:
Um exercício de contraponto é um sistema que tem uma fluência que nós podemos chamar de fluência horizontal [melódica]. E essa fluência intrínseca, ao mesmo tempo em que desvela (por que é isso que a melodia faz: expõe, mostra), esconde. Não são incomuns atualmente numa psico-musicologia a comparação da melodia com a superfície e da harmonia com a profundidade. Então, quando nos perguntamos o que a melodia mostra, podemos dizer: ela mostra a harmonia. Ela expõe, no nível da superfície, a harmonia. Porém, se assim ela faz, ao mesmo tempo em que se expõe – porque expõe e mostra – esconde. Vejam, por exemplo, o quarto movimento da 9ª Sinfonia de Beethoven, que é tão conhecido, tão popularizado: se aquele tema que tem um poema que fala da paz e da amizade não fosse importante, Beethoven jamais o teria escrito. Ele teria feito apenas aquele fundo harmônico que nós podemos lembrar por causa da orquestra. Ao mesmo tempo em que a melodia mostra – coloca no nível da superfície e evidencia a harmonia, uma ideia profunda – não é verdade que uma pessoa pode caminhar pelas ruas assobiando isso, e, portanto, tendo isso como um instrumento de esquecimento, de velamento?
O contraponto é sinergético
Sinergia é um conceito utilizado pelo arquiteto, matemático e filósofo Buckminster Fuller (1975), segundo o qual o comportamento global de um sistema, por exemplo, um "modelo" musical como um exercício de contraponto, se dá numa ordem tal que não pode ser previsto pela soma individual das possibilidades isoladas de cada componente desse sistema. Ou seja, o comportamento de um sistema sinergético apresenta uma resultante muito maior que a soma individual de suas partes.
Nessa perspectiva, o contraponto (a duas ou mais vozes) traduz-se num sistema cuja resultante é maior do que a soma individual de suas partes individuais, ou seja, numa resultante extraordinária para a ordem de potencialidade de seus componentes melódicos em isolamento.
O CONTRAPONTO estuda a construção e a combinação de melodias ou curvas melódicas.
Como parte do estudo de música inserido na teoria ele difere da Harmonia: enquanto em Harmonia, a ênfase está no aspecto vertical "acordes", em contraponto a ênfase se dá nos contornos horizontais das linhas melódicas.
No entanto, não se deve supor que é um caso de "e/ou". É menos uma diferença de tipo que de grau. Ambas as considerações: horizontal (o aspecto melódico linear) e vertical (a produção e o encadeamento de acordes na condução das vozes) estão envolvidas em todo tipo de textura musical.
No termo Contraponto a ênfase é sobre a palavra "contra": As linhas melódicas do contraponto são tocadas ou cantadas uma contra outra, entre si, de modo que o espírito que prevalece é o de conflito e de ênfase. Isto exige uma construção hábil das linhas melódicas independentes para garantir uma operação eficaz.
Claro, que não é um conflito em sentido violento. É um conflito resultante de dois ou mais elementos melódicos, cada um com características próprias, funcionando, cinergeticamente, com um propósito mais amplo comum. Na verdade, essa atividade constante de duas ou mais linhas deslocando-se em contraponto ao mesmo tempo pode, muitas vezes, ser comparada com a de pessoas diferentes trabalhando juntas. Discórdia e concórdia são os ingredientes integrais de ambos os fenômenos: da vida e da música. .
Mas, como é o Método de Fux?

O método de Fux está expresso no próprio título do livro: Gradus ad Parnassum, que subentende atingir uma determinada meta, objetivo ou conhecimento (Parnassum), através de exercícios que gradativamente (Gradus: passo-a-passo) tornam-se cada vez mais complexos.
Portanto:
Johann Fux coligiu e estabeleceu o uso de cinco espécies de contraponto em seu tratado Gradus ad Parnassum de 1725 ("Degraus para o Parnaso" (o Monte Parnaso é o "lar" de Apolo e das nove musas na mitologia grega) comparando este sistema ao processo de como uma criança aprende, primeiro as letras do alfabeto, depois a combinação de sílabas e, finalmente, como ler e escrever (Mann, 1971:17).
Através do uso das cinco espécies o aluno progride rapidamente em um curto espaço de tempo.Estas cinco espécies são:
Primeira Espécie: nota (CP*) contra nota (CF**),
Segunda Espécie: duas notas (CP) contra nota (CF),
Terceira Espécie: mais de duas notas (CP) contra nota (CF),
Quarta Espécie: melodia sincopada (CP) contra nota (CF) e,
Quinta Espécie: mixtura de todas as quatro espécies (CP) contra nota (CF),
(CF**) = Cantus Firmus [canto ou melodia dada]
(CP*) = Voz do Contraponto [canto ou melodia criada pelo aluno].As Espécies do Contraponto
Uma síntese a priori do método de Fux.
Quantidade de Vozes
Portanto, a principal divisão, intrínseca no método de Fux, está na quantidade de melodias utilizadas. Cada melodia é habitualmente denominada pelo termo voz ou parte.
Nesse viés, a lógica subjacente, que está implícita no método de Fux, é a de ser “mais difícil” escrever para duas vozes do que para uma; para três vozes do que para duas; para quatro do que para três; e assim por diante. E mais, o conhecimento adquirido, por exemplo, nos exercícios de construção a duas vozes servem como base de referência, tornando “mais fácil” e possível o aprendizado a três vozes; e assim por diante. Tendo isso em mente, podemos entender cada incremento no número de vozes como uma Etapa (Gradus) gradativa do estudo (iniciando com duas melodias ou vozes (ou partes) até n melodias ou vozes (ou partes)). Desse modo:
A primeira etapa: estuda duas vozes (melodias ou partes) em contraponto;
A segunda etapa: estuda três vozes (melodias ou partes) em contraponto;
A terceira etapa: estuda quatro vozes (melodias ou partes) em contraponto;
etc...
A “enésima” (n) etapa: estuda n + 1 vozes (ou melodias) em contraponto.
Em cada uma das etapas uma melodia em semibreves, denominada pela tradição de Cantus Firmus abreviado por CF (também chamada de Canto Dado - CD), é fornecida como referência à qual se constrói a(s) outra(s) melodia(s) chamada de voz(es) do contraponto e abreviada(s) por CP. Isso quer dizer que na primeira etapa o aluno constrói somente uma melodia (CP) em contraponto com o CF; na segunda etapa o aluno constrói duas melodias CP (1) e CP (2) em contraponto com o CF; e assim por diante.
Completando o esquema acima podemos acrescentar:
Primeira etapa: estuda duas vozes – CF X CP (ou CP X CF);
Segunda etapa: estuda três vozes – CF X CP X CP (ou CP X CF X CP; ou CP X CP X CF);
Terceira etapa: estuda quatro vozes – CF X CP X CP X CP (e as demais combinatórias);
E assim por diante (cinco vozes; seis vozes etc.).
A segunda divisão intrínseca do método de Fux se dá internamente a cada uma das etapas subdivididas em cinco espécies. Isso quer dizer que a Primeira Etapa (que estuda duas vozes) passa por:
Duas vozes primeira espécie;
Duas vozes segunda espécie;
Duas vozes terceira espécie;
Duas vozes quarta espécie;
Duas vozes quinta espécie.
A segunda etapa (que estuda três vozes) do estudo passa por:
Três vozes primeira espécie;
Três vozes segunda espécie;
Três vozes terceira espécie;
Três vozes quarta espécie;
Três vozes quinta espécie.
E assim por diante em relação às outras etapas (terceira etapa – quatro vozes; quarta etapa – cinco vozes etc.).
Pode-se inferir logicamente que:
a lógica do método por espécies de Fux não limita a quantidade de etapas a serem estudadas (quantidade de vozes);
a espécie de cada etapa é determinada pela(s) voz(es) em contraponto (CP) e não pelo canto dado (CF);
a primeira etapa (duas vozes) serve de base ao estudo das demais etapas (lógica do contraponto aos pares);
a segunda etapa do estudo [(três vozes) - até a enésima (n vozes + CF)] é construida e observada como o resultado da combinatória de todos os pares de vozes possíveis (contraponto aos pares);
a cada passagem de Etapa (duas vozes para três; três para quatro etc.) o CF é retirado e substituído por uma voz livre; desse modo o exercício é construído sem a presença explícita de um CF.
O texto abaixo apresenta, discute e reforça diversas características do método coligido por Fux:
“O Estudo do Contraponto” do Gradus ad Parnassum de Johann Joseph FuxEsse outro texto revisa e apresenta uma síntese do que pode significar o seu estudo regular:
O Valor Pedagógico do Estudo do ContrapontoA utilização da sistemática das cinco espécies de contraponto ainda é a maneira mais eficaz, rápida e lógica como metodologia [...], pois revela a importante relação das notas entre si, a força das notas culminantes, e sua dependência do contexto. A ideia de Fux é [foi] tornar a aprendizagem o mais fácil possível, iniciando-se cada espécie com um ritmo distinto, de forma que o aluno se concentre, primeiro, apenas no aspecto melódico. Sem isso, o aluno que nunca estudou composição, por exemplo, terá dificuldade em entender qual a melhor maneira de usar ritmos diferentes, quais as circunstâncias onde possa ocorrer e porque usar certas combinações rítmicas.
(ANY RAQUEL DE CARVALHO, 2000:33)![]()
Outras Divisões Intrínsecas
Outra divisão intrínseca do método de estudo e construção de exercícios de Fux restringe consideravelmente a quantidade global de notas que poderão ser utilizadas nos exercícios. Essa restrição é obtida com a utilização do Contraponto Vocal, ou seja, a escrita utilizada nos exercícios é pensada para ser executada por vozes humanas.
As Claves e as Vozes Humanas
A lógica de sua utilização.
Arnold Schoenberg com ênfase no estudo do contraponto vocal, também justifica a utilização das claves “antigas” (principalmente as claves de Dó) por, pelo menos, três motivos principais:
Um músico incapaz de ler partituras completas de música de câmara ou de orquestra é mediocre. E, mesmo que seja um especialista. um virtuose em um ou mais instrumentos, ele parecerá mais um trapaceiro ou um malabarista de corda bamba que um artista. Portanto, deve-se o mais enfaticamente possível recomendar que o aluno dedique de duas a quatro semanas de meticulosa prática, tendo em vista este tipo de problema. Será muito útil a longo prazo.
escrever para vozes reduz o número de erros que um iniciante irá cometer. A extensão das quatro vozes compreende uma menor quantidade de notas do que a maioria das combinações instrumentais permitiria. Menor a quantidade de notas, menor a quantidade notas erradas. Além do mais, é mais fácil ensinar um iniciante a escrever de maneira aceitável para vozes do que para instrumentos. Mesmo escrevendo para piano, pode ser difícil manter as partes dentro do alcance das duas mãos. Mas, para escrever adequadamente para outros instrumentos, requer-se um conhecimento de suas técnicas, de suas extensões individuais, de suas potencialidades de dinâmica e, por fim, mas não menos importante, um conhecimento de como os ler, já que muitos deles são instrumentos transpositores.
Tornar-se totalmente familiarizado com a leitura e escrita das claves de dó irá auxiliar o aluno a ler e tocar partituras orquestrais. Não é somente o fato de a viola e trombone alto serem escritos na clave do contralto, dó na terceira linha, bem como o violoncelo, o fagote e o trombone na clave de tenor, para as passagens em suas regiões mais agudas -, mas há a vantagem adicional a ser adquirida pela semelhança de algumas claves com algumas transposições.
Fixação
O Estudo do Contraponto e o Método de Fux
Bonus: Mais Informações Relevantes
Documentário BBC: Palestrina e os Papas (dublado).