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Hoje é dia: 25/04/2024



Teoria e Teóricos

Claude V. Palisca

A Teoria é agora entendida como sendo principalmente o estudo da   estrutura da música. Esta pode ser dividida em melodia, ritmo, contraponto,   harmonia e forma, mas estes elementos são difíceis de distinguir uns dos   outros e de separá-los de seus contextos. Num nível mais fundamental a teoria   inclui considerações sobre sistemas tonais, escalas, afinação, intervalos,   consonância, dissonância, proporções de durações e a acústica de sistemas de   notas. Um corpo de teoria existe também sobre outros aspectos da música, tais   como composição, execução, orquestração, ornamentação, improvisação e   produção eletrônica do som.

(Há artigos separados sobre muitos destes   assuntos, mas para um tratamento mais detalhado dos mais fundamentais ver em   particular Acoustics; Analysis; Counterpoint; Harmony; Improvisation; Melody;   Mode; Notation; Rhythm.)A tradição da música de arte ocidental é notável pela quantidade   e escopo de sua teoria. As tradições Bizantina, Árabe, Hebraica, Chinesa e   Indiana são também notáveis por possuírem corpos significativos de literatura   teórica. Recentemente tem havido também algum tratamento teórico do jazz e   outros gêneros de música popular. Este artigo, entretanto, tratará exclusivamente   da tradição da música de arte ocidental. (Para estas outras tradições ver   particularmente Arab music; China, §II; India, §III; Iran, §II; Japan, §I; Jewish   music, §III; ver também Byzantine chant, §17; Greece, §I; Mode, §V; Jazz;   Popular music.)

 


1. Introdução.

Tratados   tão díspares quanto De institutione   musica (c500) de Boécio, L’arte del   contraponto ridotta in tavole (1586–9) de Giovanni Maria Artusi, L’armonico pratico al cimbalo (1708)   de Francesco Gasparini, e Der freie   Satz (1935) de Heinrich Schenker são todos comumente agrupados sob a   categoria de pensamento chamada teoria musical. Contudo estes quatro livros   têm pouco em comum. Aquele de Boécio estava totalmente divorciado da música   do seu tempo e provavelmente não foi planejado para ser lido por músicos ou   compositores. Nele um estudante das artes liberais adiciona especulações   sobre a música de alguns autores gregos, principalmente do Século II. O livro   de Artusi era um texto para o treinamento de músicos e compositores em   contraponto como praticado e ensinado pela sua, então mais velha, geração. O   de Gasparini é um manual para cravistas sobre a arte do acompanhamento sobre   um baixo cifrado. O de Schenker expõe algumas hipóteses fundamentais sobre   obras primas de música dos Séculos XVIII e XIX através de uma análise de seu   conteúdo tonal e harmônico.

Mesmo considerando o espaço de tempo que as abrange – de cerca   de 500 até 1935 – e as mudanças na prática musical, a ausência de qualquer   superposição significativa nestes quatro livros, seja de conteúdo, propósito   ou audiência pretendida, demonstra a extensão e a riqueza do conceito de   teoria. Ao termo pode ser dada uma definição inclusiva ou exclusiva; em um   caso ela irá abranger todas estas obras, no outro somente uma ou duas delas.   É útil começar com uma tentativa com a definição inclusiva.


2. Definições.
 

A   palavra ‘teoria’ em si tem amplas implicações. Sua raiz grega theōria   é a forma substantiva do verbo theōreō, significando inspecionar, olhar para, ver,   observar, contemplar, considerar. Um theōros é um espectador, como num festival ou jogo. Etimologicamente,   então, teoria é o ato da contemplação. É o observar e especular sobre em   oposição ao fazer algo. Aristides   Quintilianus, que entendia o conceito desta maneira, construiu um plano do conhecimento   musical por volta de 300 DC que pode ser delineado como segue:

 
I. Teórico (theoretikon)
A. Natural (physikon): 1. aritmético (arithmetikon),   2. natural (physikon)
B. Artificial (technikon): 1. harmônico (harmonikon),   2. rítmico (rhythmikon), 3. métrico (metrikon)
II. Prático (praktikon)
A.   Criativo (crestikon): 1. melo-poético (melopoiia) (pertencente ao fazer   canções), 2. temporal (rhythmopoiia), 3. poético (poiesis) (composição de   música e poesia)
B.   Executivo (exangeltikon): 1. instrumental (organikon), 2. vocal (odikon), 3.   dramático (hypokritikon)
 
 

Embora   Aristides separasse o puramente teórico do prático, o campo inteiro que ele ordenou   é teórico num sentido amplo, a subdivisão em ‘Teórico’ é o que poderia agora   ser chamado de teoria pré-composicional, enquanto a categoria ‘Prático’ lida   com teoria composicional e teoria da execução. Ele não estava tanto dividindo   a música no que pode ser dito sobre música, conseqüentemente conhecimento e   pensamento musical.

Não muito precisa ser adicionado a este esboço para abranger   todo o conhecimento musical moderno. Certas categorias precisam ser   ampliadas; por exemplo, o ‘aritmético’ incluir matemática em geral, teoria da   comunicação e inteligência artificial; a teoria ‘natural’ deveria incluir   acústica psicológica e fisiológica bem como física [acústica]. Sob ‘Teórico’ se   adicionaria história, estética, psicologia, antropologia e sociologia da   música. Entre as categorias ‘Artificial’, a ‘harmônica’ como entendida por   Aristides era aplicada à relações tonais em termos de notas sucessivas e   teriam que ser estendidas para relações simultâneas. Outra categoria técnica   que se poderia adicionar é a do ‘timbre’, compreendendo instrumentação,   orquestração e mídia eletrônica. Similarmente, sob ‘Prática’, a ‘melódica’ seria   complementada pela ‘harmônica’, enquanto a ‘poética’ abrangeria, como nos   dias de Aristides, tanto a composição escrita quanto a improvisada. Uma   versão moderna do plano de Aristides poderia então parecer como segue:

 
I. Teórico
 
A. Científico: 1. matemático, 2. físico, 3. psicológico, 4. fisiológico, 5.   antropológico, 6. sociológico
 
B. Técnico: parâmetros: 1. nota (pitch), 2. duração, 3. timbre
 
C. Crítico: 1. analítico, 2. estético, 3. avaliativo
 
D. Histórico
 
II. Prático
 
A. Criativo: 1. composição escrita, 2. improvisatório, 3. sintético (fita,   computador, etc.)
 
B. Pedagógico: 1. melodia, 2. harmonia, 3. contraponto, 4. orquestração etc.
 
C. Executivo: 1. instrumental, 2. vocal, 3. eletrônico ou mecânico, 4.   dramático e coreográfico
 
D. Funcional: 1. pedagógico (e.g. canções infantis), 2. terapêutico, 3.   político, 4. militar, 5. recreativo

 

Este   campo inteiro tem sido às vezes chamado de Musikwissenschaft, a ciência da música, ou musicologia. Embora   ele seja todo ‘teórico’ no sentido em que seu método é a observação atenta (thoughtful), somente uma parte   relativamente pequena deste esquema é reconhecida como província do trabalho   do teórico moderno, nomeadamente as categorias Teórica-Técnica (I.B),   Teórica–Crítica–Analítica (I.C.1), Prática–Criativa (II.A) e   Prática–Pedagógica (II.B), que podem ser adotadas sob as divisas ‘teórica’,   ‘analítica’, ‘criativa’ e ‘prática’. Conquanto muitos dos livros de épocas   anteriores que são comumente referidos como ‘tratados teóricos’ destina-se à   área inteira representada pelo esboço acima. Neste levantamento será   importante, portanto, manter em mente três coisas: a concepção da função   teórica predominante em uma época específica, a audiência para a qual um   tratado foi escrito, e os objetivos filosóficos ou práticos do autor.


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Palisca, Claude V.: ‘Theory, theorists’, The New Grove Dictionary of   Music Online L. Macy ed.