Melodia

A Ideia de Melodia (μέλος)

Sucessividade

Introdução ao Estudo do Contraponto

Antes de nos dedicarmos à construção e combinação de linhas melódicas, vamos tentar entender algumas formulações do conceito da própria Melodia.

Inicialmente, pode-se dizer que a melodia consiste em uma sucessão coerente de sons e silêncios de alturas e durações iguais ou diferentes combinados (linha de alturas; linearidade melódica; o horizontal; a horizontalidade) - por oposição à sua audição simultânea (acorde; o vertical; a verticalidade) - com identidade própria.

Etimologicamente, melodia combina os antigos termos gregos de ordem poética: [Ode] - [ōtē] e Canto [melos]. Que o termo melos esteve associado primariamente com questões fisiológicas, antes de ser empregado no reino da estética, está totalmente em conformidade com a concepção grega da música e da poesia como espelhos orgânicos do humano perante uma existência cósmica [música da grécia antiga]. Foi durante a Idade Média europeia que a adaptação latina melodia [melos + ode -> 'melode'] assumiu especificamente as conotações musicais que ainda hoje retém no uso vernacular moderno.

Melos - μέλος | Elemento grego de formação de palavras que exprimem a ideia de:


mel;
melodia, música, canto, canção;
membro;
maçã, face;
ovelha.

Ode - do grego antigo ᾠδή ōidē e do latim õde (ou õda):

Originariamente, e desde Homero, um poema destinado a ser cantado, podendo igualmente significar qualquer forma de canto alegre ou triste ou o ato de cantar. Os seus vários significados abarcavam também o canto de louvor , o canto fúnebre, canto religioso, canto mágico, canto de guerra ou hino e pressupunha o acompanhamento de instrumentos musicais.

Richard Wagner frequentemente invocava a palavra grega melos (relacionada a 'canto', 'canção' ) para expor sua concepção de melodia. Apesar da tradicional melodia rossiniana, caracterizada por sua simetria e estrutura periódica, a linha melódica wagneriana era livre em sua estrutura frásica e moldada por elementos motívicos. Para Wagner, a ideia de melos era [o princípio melódico], algo muito maior que, por exemplo, uma melodia de oito compassos: ao invés era capaz de expandir-se sobre o curso inteiro de uma grande estrutura escalística, tal como um movimento de sinfonia de Beethoven.

The New Grove Guide to Wagner and His Operas - Barry Millington

Primeiros Exemplos Melódicos

Sícilo

Hurrian Hymn no.6 - c.1400 B.C.

A mais velha melodia conhecida.
Esse antigo fragmento musical data de 1400 anos a.C. e foi descoberto nos anos de 1950 em Ugarit, na Síria.

Sícilo

O Epitáfio Sícilo [Seikilos]

O epitáfio de Sícilo [The Seikilos Epitaph] é famoso por ser o mais antigo exemplo encontrado de uma composição musical completa no mundo ocidental.

μέλος + ᾠδή | Melodia

no entanto,

Melodia, definida como alturas arranjadas no tempo musical de acordo com restrições e convenções culturais dadas, representa um fenômeno humano universal traçável desde os tempos pré-históricos.
Entretanto, em algumas culturas, considerações rítmicas sempre podem ter precedência sobre a expressão melódica, como em parte da África onde os sons percussivos de alturas indeterminadas são empregados no lugar da comunicação semântica, ou como marcadores para formas sistemáticas de esforço físico (seja no trabalho diário ou no ritual da dança), ou ambos. As principais preocupações com o termo melodia parecem ter sido relacionadas mais especificamente ao modo verbal, em alguns casos modos pré-verbais, da relação social.

Grove Dictionary of Music and Musicians | Alexander L. Ringer

Tinctoris, em meados do século 15, não hesitou em identificar melos com cantus [melodia com canto], e a maioria das definições subsequentes, de modo similar, também associaram melodia com canto, embora, inevitavelmente, sob várias perspectivas estilísticas.

Rameau, no século 18, relacionou a melodia como produto da harmonia;

À primeira vista, pareceu que a harmonia surgiu da melodia, visto que as melodias produzidas pelas vozes individuais tornam-se harmonia quando são combinadas; no entanto, foi necessário determinar de antemão um caminho para cada uma dessas vozes, a fim de que pudessem concordar entre si. Não importa, então, que ordem de melodia possamos observar nas partes individuais, tomadas em conjunto dificilmente formarão uma harmonia tolerável (para não dizer que é impossível que o façam), a menos que esta ordem tenha sido ditada pelas regras da harmonia. [...] É a harmonia então que nos guia, não a melodia.

Porém, Rousseau, clamou pela prioridade da melodia autônoma, para ele um desdobramento natural, ou seja, "da própria Natureza".

Na linguagem desencadeada pelas paixões residia para Rousseau a origem da música, e a melodia seria a sua expressão originária, ou melhor, a expressão de um estado originário da humanidade em que a linguagem não é distinta do canto.

Rameau e Rousseau concordaram que a música é uma arte mimética da própria natureza, mas natureza, foi sub-entendida por eles de modo bem diverso. Rameau identificou a natureza ao mundo físico, descritível por meio de relações matemáticas; Rousseau, por outro lado, identificou-a com o mundo interior humano, o das paixões e dos sentimentos humanos. Como consequência, a harmonia, enquanto ciência da combinação consonante de sons musicais baseada na ressonância dos corpos físicos e a melodia, enquanto arte de expressar as paixões por meio dos acentos da linguagem falada, foram as dimensões musicais que um e outro autor respectivamente tomaram como o meio privilegiado em que a imitação da natureza deveria ter lugar.


Hegel, no início do século 19, pensou harmonia e melodia como “um todo compacto, e uma mudança em um deles ocasiona uma mudança no outro”.

Na visão acústica de Helmholtz [final do século 19] melodia é a encarnação do movimento em música, expressando-o “de tal forma que o ouvinte pode facil, clara e certamente apreciar o caráter desse movimento pela percepção imediata”.

Percepção também foi a principal relação de Hanslick, que via na melodia a “configuração arquetípica do belo” (Grundgestalt der Schönheit). Naturalmente, o ponto de vista apolíneo de Hanslick foi diametralmente oposto ao ideal dionisíaco de “melodia infinita [infindável]”, exposto por Wagner, que postulava “uma quase-ordenada série de sons falados não preenchidos – indiretamente representativos, concentrados como imagens, mas não ainda como imediata, inevitavelmente como expressão verdadeira (...) diretamente endereçados às sensações, infalivelmente vindicados e preenchidos”.

Quando em meados da década de 1920, Watt [HENEY J. WATT] aplicou a física helmholtziana em um estudo comparativo das propriedades dos intervalos de canções selecionadas de Schubert e melodias ameríndias, ele chegou a conclusão pós wagneriana de que:

não havia nenhuma razão para que uma melodia devesse parar. Cada intervalo carrega o seu movimento mais adiante, de modo que um outro grupo de condições devam existir que modificam e capturam seu movimento. Uma condição de captura muito natural é o ordinário limite da memória. Não existe dúvida que o tamanho das melodias primitivas, se não de todas as melodias, são determinados por essa razão. Porém, isso é uma condição de finalização, não de captura de movimento no sentido musical.

Grove - verbete "melody"