Professor: Orlando Marcos Martins Mancini
Graduado em Instrumento (violão), Composição e Regência pela FAAM - Faculdades de Artes Alcântara Machado
Especilizado em Metodologia do Ensino Superior pela FMU - Faculdades Metropolitanas Unidas
Mestre em Artes - Habilitação em Música e Tecnologia pela UNESP - Universidade Estadual de São Paulo
Doutor em Música - Habilitação em Música de Cinema pela UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas
O tempo
pode ser medido com as batidas de um relógio
ou
pode ser medido com as batidas do coração.
Uma das definições mais poéticas da música é a que metaforicamente relaciona música com a escultura: Música é uma escultura temporal e, portanto, o músico, um escultor do tempo.
Essa metáfora, além de muitas outras possibilidades, tenta, paradoxalmente, suprimir a “dinamicidade” da música - seu movimento constante - enfatizando, ao invés, uma apreensão musical instantânea, imagética, quase que fotográfica...
Não obstante, em realidade, sem o movimento sequencial, inevitável e sucessivo, qualidade dinâmica intrínseca e extrínseca ao tempo, a nossa concepção de música jamais teria existido.
É, portanto, com o e no tempo (temporalmente) que nos relacionamos primariamente com a música.Porém, a música se relaciona com o tempo em várias camadas ou dimensões, o que possibilita concepções temporais diversificadas.
Na Grécia Antiga, três divindades eram associadas ao tempo: Cronos, Kairós e Aeon. Cada uma delas, apontava para uma qualidade diferenciada do conceito temporal.
Cronos referia-se ao tempo cronológico, ou sequencial, que pode ser medido, associado ao movimento linear das coisas terrenas, com um princípio e um fim.
Kairós referia-se a um momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece. É o tempo da relação, do intervalo, da harmonia.
Aeon referia-se ao tempo "personificado" [formado], “ao que é para sempre”, um período muito longo de tempo ou a própria eternidade. É o tempo da Forma (da Obra).
“Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.”
Conjugando-se tempo e música, é impossível não lembrar o filósofo neoplatônico, professor de retórica e teólogo Aurelius Agostinho de Hipona, mais conhecido como Santo Agostinho.
(IN: Frank Michael Carlos Kuehn [UNIRIO]: Quanto tempo dura o presente? O tempo como categoria filosófica e teórica da interpretação musical)No livro XI de suas Confissões, ele chega a distinguir entre o tempo mensural do mundo físico e o tempo como fenômeno subjetivo, antecipando, de certa forma, a noção de tempo que hoje é chamada de “psicológica”. Com efeito, para Agostinho tudo se resume ao tempo presente quando diz que “o passado é impelido pelo futuro e que todo o futuro está precedido de um passado, e todo o passado e futuro são criados e dimanam d’Aquele que sempre é presente” (AGOSTINHO, 1996, livro XI: 14).
Agostinho se destaca também por uma reflexão profunda sobre a música, tarefa para a qual se fundamenta nos antigos tratadistas gregos, cuja noção de música (mousiké téchne) abrangia o canto, a poesia e a dança [3]. Em seu tratado, intitulado De musica [Da música], elaborado em forma de diálogo e estruturado segundo as regras da retórica, Agostinho introduz alguns elementos novos que posteriormente se revelariam de suma importância para o cantochão. Entre outros pontos dignos de serem destacados está o que define o silêncio como um elemento constitutivo da música.
“De tudo isso vês com clareza que nos metros se intercalam silêncios, uns necessários, outros por livre vontade; os necessários, precisamente, quando falta algo que completar aos pés; os livres, ao contrário, quando os pés são completos e perfeitos”.(AGOSTINHO, 1988b, IV: 28).
O Tempo Absoluto
Para Newton, existia um tempo absoluto, verdadeiro, matemático que fluía constantemente da mesma forma para todos. Os relógios de todas as espécies não passavam de meros reflexos, aproximações desse tempo metafísico. Em seu grande tratado “Os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”, publicado em 1687, Isaac Newton introduziu o conceito desse “tempo absoluto”:
“O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si só e por própria natureza, flui uniformemente, sem relação com nenhuma coisa externa, e é também chamado de duração”
O tempo Relativo
Aos 14 anos, enquanto andava de bicicleta em uma cidade italiana, o jovem Albert Einstein se fez uma pergunta singela: "Se minha bicicleta pudesse andar na velocidade da luz e, atingindo essa velocidade, eu olhasse para ela [a luz] lado a lado. O que eu veria?" ... “Como me pareceria o mundo nessa velocidade?”
Quando Einstein estabelece os seus princípios, para construir a sua teoria, surgem consequências dramáticas.
“Para nós, físicos presunçosos, passado, presente e futuro são apenas ilusões”
Tempo, Instante e Infinito
Dimensões fundamentais da nossa existência. - Que seja infinito enquanto DURE!
José Miguel Wisnick
Partindo da experiência concreta com a música e a temporalidade, Wisnick desenvolve ideias que se relacionam com a manifestação de "tempos musicais".
Seguindo o encadeamento em torno do tempo, pode-se então afirmar que toda música comporta-se como uma composição disposta em eventos temporais horizontais ou sucessivos (normalmente identificável com o tempo cronológico – Chronos); engendrando eventos temporais verticais ou simultâneos (normalmente identificável com o espaço – kairós); amalgamando um todo [uma obra] inteligível de sons e silêncios, uma unicidade que enfatiza a desejável "apreensão instantânea, imagética, quase que fotográfica" (identificável com o "tempo personificado" - Aeon); portanto, as relações entre os eventos musicais, como por exemplo, as durações (presença, permanência, figuras temporais), as intensidades (força, vigor, amplitude temporal), os timbres (identidade, diferencial, combinação temporal dos harmônicos), as alturas (notas, afinação, frequência temporal da vibração) são constituídas, principalmente, de duas maneiras: (a) horizontal ou sucessivamente e/ou (b) vertical ou simultaneamente.
A dimensão horizontal é formada na composição dos tons das linhas melódicas individuais, as que produzem os tons um após o outro (os intervalos melódicos). Ao mesmo tempo, o encontro temporal de suas relações horizontais produz relações verticais, e isso não é secundário, é cinergético. Isso quer dizer que o contraponto não é mera adição de uma melodia a outra ou outras melodias, embora isso possa ser feito; as melodias devem se fundir em um todo significativo. Não podemos lapidar esse todo significativo sem o controle da dimensão vertical.
Em princípio, um tecido contrapontístico lógico não pode resultar da colisão casual das melodias, partes ou vozes componentes. A arte da escrita em contraponto envolve a lapidação constante do ajuste mútuo das dimensões horizontais e verticais. Devemos nos esforçar para tornar a combinação entre as melodias a mais perfeita e lógica possível, pois, em uma textura contrapontística, cada linha horizontal deve preservar sua integridade, mas, ao mesmo tempo, uma nova melodia não é acrescentada em "um vácuo musical"; deve-se, em todos os tempos, considerar e adequar sua relação com a outra ou outras melodias.
Na observação (percepção) das alturas, a relação acontece, principalmente, de dois modos:
a) Horizontal ou Sucessivamente (quando duas notas são comparadas distintamente): Esse é o princípio melódico - a relação [intervalo] entre as duas notas se dá quando as notas são emitidas por uma mesma fonte sonora (no caso uma determinada voz ou instrumento), em tempos diferentes, uma após a outra, amalgamando-se na formação (composição) de uma mesma parte.
b) Vertical ou Simultaneamente (quando duas notas são comparadas conjuntamente): Esse é o princípio harmônico - a relação entre as duas notas [intervalo] se dá quando as notas são emitidas ao mesmo tempo ou por fontes sonoras diferentes (vozes ou instrumentos diferentes) ou por uma mesma fonte sonora que possa emitir mais de um som conjuntamente (polifonicamente; ao mesmo tempo), como por exemplo, o piano, o violão etc.
A dinâmica entre esses dois princípios [(a) o princípio melódico e b) o princípio harmônico)] compõe a base primária do estudo do contraponto e, de modo mais amplo, a base do estudo da própria música. Portanto, a grande maioria dos procedimentos ou regras de todo o estudo musical, quase sempre se refere, direta ou indiretamente, a um desses dois princípios ou, muitas vezes, aos dois.
O princípio melódico manifesta-se de, pelo menos, cinco formas diferentes em uma determinada melodia:
Note que o parâmetro duração (relacionado ao quanto do tempo) é obrigatório em todas as cinco instâncias, pois, não existe música sem permanência temporal, seja de sonoridades e/ou de silêncios.
Schoenberg observa que no estudo do contraponto por espécies, principalmente na primeira espécie a duas vozes (nota contra nota), deve-se dar preferência aos movimentos ascendente e descendente, ou seja, as curvas melódicas serão geradas preferencialmente a partir da combinação desses dois movimentos; portanto, os outros tipos de movimentos, principalmente os relacionados à utilização de pausas e repetição de nota, serão evitados no estudo da primeira espécie a duas vozes.
A observação dos movimentos melódicos simultâneos entre duas vozes quaisquer gera as seguintes possibilidades:
Movimento Direto (ou similar): duas vozes se movimentam na mesma direção, ou ascendente ou descendente;
Movimento Paralelo: duas vozes se movimentam na mesma direção, ascendente ou descendente, pelos mesmos intervalos melódicos e geram os mesmos intervalos harmônicos;
[Muitos autores, dentre os quais o próprio Fux, não citam o Movimento Paralelo classificando-o também como movimento direto ou similar].
Movimento Contrário: duas vozes caminham em direção oposta. Enquanto uma voz executa um movimento ascendente, a outra executa um movimento descendente; ou vice-versa;
Movimento Obliquo: Enquanto uma voz se movimenta ascendente ou descendentemente a outra permanece sustentando uma determinada nota.